Segunda-feira, 15 de Outubro de 2007

intervalo - uma história



já me disseram várias vezes (quase sempre em ambiente de risota)
algo como o seguinte:
" - é pá... tu desatinas mesmo com essa coisa do endeusamento das gajas. "

quase nunca respondo, apenas sorriu.
no fundo, não é desatino pelo endeusamento em si.
não acredito em deuses...
e sinto-me muito bem com a minha condição de mortal



conto-vos apenas uma história


hoje em dia, trabalho porque quero - não preciso.
mas há uns meros dezasseis anos não era assim.
trabalhava num grande empresa, bastante impessoal, num cargo que nada me dizia nem realizava,
onde "engolia sapos" - mas era bem pago e precisava disso.

nessa grande empresa, com muitos departamentos, chefias, sub-chefias, muitos chefes e poucos índios... haviam dois ou três departamentos que eram mais cobiçados, que permitiam outros vôos, onde se ganhava melhor ainda, tinham mordomias, etc...

um desses departamentos era dirigido por um gajo execrável (mesmo para os outros gajos) que, por várias razões tinha um ego descomunal.
como profissional, não passava da mediania, mas... era bem falante, bem relacionado, maquiavélico, bom lambe-botas e... bonito (lá isso, era...) entre outras coisas.
um gajo cheio de qualidades, em suma.

era sabido (e mesmo ele disso se vanglorizava) que "menina" que entrasse para aquele departamento... ou tinha "pago" para entrar, ou "ia ao castigo" mais tarde ou mais cedo.

e era verdade !
a primeira merda nisto tudo... é que era verdade.
fosse porque as meninas queriam estar naquele departamento,
fosse porque se deixavam seduzir pelo garboso rapaz.
isto... apesar da fama do departamento e do seu director
ser por demais conhecida.
desde na permissividade da direcção central
até à simples fófoca de café.
tudo indicava que as excepções eram a senhora L (já entradota) e a MJ (que era "gorducha") e não espicaçavam a libido do moço - de resto, era conhecido pelo "departamento das boazonas".

certo dia, uma colega de outro departamento (bastante minha conhecida) para lá foi nomeada, por ter terminado um curso que a habilitava e por via de uma promoção (vinda de não sei quem).
várias vezes, eu e mais dois colegas, a alertámos para as "contingências" que o cargo poderia apresentar - meio na brincadeira, meio realmente preocupados.
ela, contudo, sempre desvalorizou isso - que eram mais basófias de cervejaria entre machos que outra coisa.

e para lá foi.
passaram-se uns três meses e ela (que continuava a almoçar com o "antigo grupo") lá ia gozando com a nossa cara, em como tudo afinal não passava realmente de conversas de machos da treta, ou mesmo de invenções da mulherada roída de inveja,  etc...

até que... chegou o dia.

chegou o dia em que, após vários avanços e outras tantas negas (período de que não nos apercebemos, que ela escondeu ao invés de desabafar) ela lhe deu um rotundo "não".

e não só disse "não" (aparentemente, mais do que uma vez) como fez queixa do "senhor director" por assédio sexual.
aquilo caiu que nem uma bomba !

seguiu-se um período de quase um mês em que se assistiram às maiores e mais diversas hipocrisias e "filhas-da-putice" - como se não fosse do conhecimento (quase) geral tudo aquilo de que aqui falo.
e finalmente a direcção central, muito "surpreendida" e "escandalizada", resolveu instaurar um inquérito... pelo "bom nome" da casa e pelo "bom ambiente" da empresa, blá blá blá.

desde a primeira hora que não concordei com a ideia - o assunto deveria ficar na esfera da direcção e dos dois envolvidos, mas, pretendia-se dar a ideia de "empresa progressiva" ou uma merda qualquer do género.
comissão de ética para cá, comissão executiva para lá...
ergueram-se estandartes, formaram-se grupos, definiram-se estratégias e afins...

as mulheres (salvo três ou quatro "traidoras") estavam num bloco pró-minha-conhecida.
os gajos... dividiam-se em três blocos, a saber e por ordem de grandeza : os que defendiam o "senhor director", os não alinhados e os pró-minha-conhecida (o mais pequeno: eu e mais dois).
venha o inquérito...





veio !
depois... "veio-se".

o "senhor director" ficou suspenso por três semanas.
(com vencimento pago na íntegra, sem perda de regalias)
um castigo "exemplar"
a minha conhecida foi transferida para outra dependência,
 para "seu bem".
(dependência a quase 60 quilómetros dali, onde "resistiu" três meses)
por mera coincidência... eu e os meus dois colegas começámos a ter a nossa vida cada vez mais complicada, cada vez com requisitos mais estúpidos, etc.
foi uma mera coincidência... que acabou em dois despedimentos por "justa causa"
e numa carta de demissão (minha).


contudo... isto não foi o mais triste (para mim) em tudo aquilo.
o mais triste foi vir a saber que...

... o principal crítico da minha posição foi um indivíduo no qual eu confiava plenamente, colega chegado ainda que um superior, que pensava eu que teria ficado no grupo dos "não alinhados" - que mais tarde se acercou com pedidos de desculpas, com desagravantes que metiam deveres de chefe de família e apelando para uma tal de "irmandade de homens" e etc...
creio que foi a primeira vez que, num local de trabalho, mandei alguém "levar no cu".

... no tal "bloco feminino pró-minha-conhecida" houve uma desmobilização total, de última hora.
parte para os lados dos "não alinhados" (género: não sei de nada, não tenho nada a ver com isso, nunca dei por nada) que entre outras incluía a totalidade das funcionárias do departamento em questão.
parte para um 4º grupo, bastante confuso, que preconizou várias coisas, como:
-
- que ele (o "senhor director") é que era assediado,
que elas é que se "ofereciam" para conseguir o lugar.
-
- que se o departamento tinha aquela fama,
porque é que ela (a-minha-conhecida) se tinha lá ido meter ?!
"quem anda à chuva, molha-se" e tal...
-
- que ela não devia era ter conseguido aquilo que queria
e então fizera queixa.
-
- que os que a defendiam (os 3 estarólas portanto)
deviam era "querer batatinhas".

e muitas outras "pérolas" que nem lembra ao diabo e que (curiosamente)
eram muito semelhantes às do "bloco masculino pró senhor director".

ainda há poucos anos, um ex-colega dessa empresa (por azar encontrado à beira mar numa férias) me dizia com "imensa sabedoria e bom-senso" que eu e os outros dois tinhamos feitos uma grande asneira em comprometer os nossos cargos por algo tão... frívolo.
não comentei - nunca tive paciência para gente estúpida e cobarde !
além do mais... estava com os meus sobrinhos
e não me convinha mandar outro levar no cu


é por esta e por outras (histórias) pelas quais já passei
ou conheci de perto que...
me é risível esse suposto "endeusamento feminino" !
da mesma forma que sempre achei idiota, agressiva e falsa
a tal "brotherhood of men"...



tudo muito bonito,
tudo muito sublime e idílico, enaltecedor e congregante
até a realidade nos cair, crua e pesada sobre a cabeça


sinto-me: bãh, que se lixe...
música: Não Dá - (Pedro Abrunhosa e os Bandemónio)

publicado por sextrip às 10:45
link do post | comenta a Trip | adicionar aos escolhidos
32 comentários:
De sextrip a 16 de Outubro de 2007 às 13:43
é verdade Miss Bradshaw, continua a ser e creio que vai demorar a modificar-se esse estado de coisas.

trabalho com empresas e existem os mais diversos factores que condicionam essas mudanças - não é apenas o bicho-papão do machismo antediluviano.
grosso modo:

não se resolve com demagogias de incentivos estatais a quem empregue mulheres - como se isso definisse que aquela empresa ou empresário são liberais, ou modernos, ou coisa que o valha...
(depois dão-se "prémios de excelência" a empresas, que literal mas encapotadamente escravizam centenas de mulheres, porque exportam muito...)

não se resolve com reportagens espalhafatosas sobre empresas femininas e empresárias de sucesso que... depois, vai-se a ver... são na sua maioria lojas.
o que, ainda que dignas do seu mérito, pouca expressão têm num tecido empresarial e numa coisa chamada PIB, quanto mais numa mudança de mentalidade.
não se duvide que não saiba, quantas vezes, do enorme esforço que é necessário para montar uma simples loja - apenas não há razão para tanto "espalhafato".

no universo de empresas com que trabalho ou de que tenho conhecimento, há um número ínfimo que é propriedade de mulheres - e nesse número ainda são menos as que à propriedade juntam a gestão feminina.

mas diria que várias delas estão no caminho certo - entraram em áreas que eram "exclusivo" masculino, bateram-se e conseguiram o seu lugar.
e se é difícil montar uma loja (como admiti atrás) imaginem então o que é montar, por exemplo, uma empresa de materiais de construção, com armazéns, stocks, frota de distribuição, etc e intervir num meio "matcho" por excelência.

a causa para esta "pequena representação" já não tem, hoje em dia, a haver com descriminação sexual - nem pela lei, nem junto da banca, nem por outra razão logística sequer.
diria mesmo que tem sómente a haver com vontade, com tenacidade, objectividade e realismo.

voltando ao meio "patriarca":

já existem muitas empresas que dão total equiparação aos seus colaboradores, independentemente do seu sexo.
ainda que este "muitas" seja um pequeno número no tecido empresarial que vai desde a grande empresa tecnológica à fabriqueta de chouriços lá para detrás do sol posto... as coisas vão-se modificando.

em suma... tudo seria mais fácil (talvez mais rápido) sem demagogias e com mais objectividade de parte a parte.

quanto ao assédio sexual:

não é problema fácil de definir.
tanto quanto sei, este país ainda não tem legislação específica para casos de assédio sexual no local de trabalho - no entanto, não significa isso que não tenha outros meios legais de chegar a uma conclusão.
quem, maioritariamente, trata de queixas neste âmbito é a C.I.T.E. - Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego.

muitas empresas tentam, entretanto, ter algumas normas em relação a este aspecto nos seus regulamentos internos.


De Miss Bradshaw a 16 de Outubro de 2007 às 14:25
uma resposta excelente! =D

ha tantos mas tantos temas que a lei ainda se recusa a debater: o assedio sexual é so mais um desses.

***


De sextrip a 17 de Outubro de 2007 às 10:47
outra verdade...
apesar de Portugal ter já um bom conjunto de leis, subsistem ainda muitas lacunas e omissões (em muitos aspectos).

creio que o assédio sexual no local de trabalho (aquele que levanta mais questões éticas) é difícil de definir... logo de legislar, pelo seguinte :

ou se legislaria "por baixo", com meia dúzia de presunções que acabariam resultando dúbias - o que por vezes é pior do que nada existir.
ou se tentaria legislar "a sério" mas que, talvez, fosse interferir com demasiados pontos que se podem (ou devem) considerar liberdades individuais, de expressão, de privacidade, etc.

não digo que seja impossível de definir - simplesmente, é difícil.

vejo, por exemplo, que em alguns desses "regulamentos internos" de algumas empresas... certos artigos podem ser muito mal interpretados e ocasionarem situações erróneas que irão, elas sim, gerar um mau ambiente de trabalho.
claro que se acabam por impor, pela velha prerrogativa de que "é igual para todos" mas... na essência, não estão bem definidas.

numa empresa que conheci (e conheço) as coisas assumiram um tal despropósito que bastava um simples convite para um café para haverem logo "alertas" de assédio sexual.


Comentar post

.mais sobre mim


. ver perfil

. seguir perfil

. 38 seguidores

.pesquisar

 

.Abril 2008

Dom
Seg
Ter
Qua
Qui
Sex
Sab

1
2
3
4
5

6
7
8
9
10
11
12

13
14
15
16
17
18
19

20
21
22
23
24
25
26

27
28
29
30


.Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

.tags

. todas as tags

.ESCOLHIDOS

. Alguma vez amaste uma mul...

. Trintonas e boas!

. Destinatário Ausente (Ree...

. O perfil masculino ideal ...

. Deixem as crianças em paz...

. raríssimas

.links

.tags

. todas as tags

.arquivos

. Abril 2008

. Março 2008

. Fevereiro 2008

. Janeiro 2008

. Dezembro 2007

. Novembro 2007

. Outubro 2007

. Setembro 2007

. Agosto 2007

. Julho 2007

. Junho 2007

SAPO Blogs

.subscrever feeds

Em destaque no SAPO Blogs
pub